EM DESTAQUE

07 agosto, 2012

Perguntas e respostas sobre o mensalão



Na sessão desta terça (7), o Supremo Tribunal Federal recusou pedido de um dos advogados para suspender o julgamento, por causa da ausência da ministra Cármen Lúcia. Ela saiu para presidir sessão do Tribunal Superior Eleitoral em meio às sustentações orais, quando os advogados sobem à tribuna para falar em defesa de seus clientes. No pedido, o advogado José Carlos Dias chamou a atenção para a “responsabilidade” dos julgadores para ouvir “um ato de defesa concreto, objetivo”. Numa breve entrevista, o ex-ministro do STF Carlos Velloso comenta o assunto.
A sustentação oral perante os ministros no julgamento é puramente formal. Quando julgam uma causa, os juízes, sem dúvida nenhuma, estão muito preparados, pois já leram o processo, que embasam uma decisão.
A sustentação oral é importante, mas é formalidade, porque repete aquilo que já está nos autos, que o ministro já viu. A sustentação não é obrigatória, é facultativa, o advogado pode deixar de fazer e não representa nulidade. Pode ser muito importante, mas pela lei, não é essencial.
O que importa mais são os memoriais, que são os resumos finais da defesa. Eles são apresentados pessoalmente aos ministros. Todos os advogados apresentaram e também o Ministério Público, pela acusação.
Quanto à ausência da ministra, foi bem justificada, porque vai presidir o Tribunal Superior Eleitoral, uma ausência momentânea. Pesa também a promessa dela de ouvir a sustentação pela manhã em vídeo.
Para um ministro, não há diferença entre ver uma sustentação ao vivo ou gravado. Ele vai assistir a fala por inteiro. Muitas vezes, assistimos discursos pela televisão, ou mesmo ouvimos pelo rádio, que nos convencem. Frente a frente com o advogado não impressiona mais do que pela televisão, tanto faz.
1) Cabem recursos às eventuais condenações que o STF proferir no caso?
Em caso de condenação, há a possibilidade de embargos de declaração, que se destina a esclarecer eventual omissão, obscuridade ou contradição no acórdão, mas que a princípio não reverte nenhuma condenação ou absolvição. Outro recurso possível, caso haja pelo menos 4 votos absolvendo o(s) réu(s) são os embargos infringentes, que podem, em tese, reverter alguma condenação ou absolvição.
2) Proferida uma eventual condenação, o réu é preso imediatamente?
Caso haja condenação, a sentença deve ser publicada. Após a publicação, há a possibilidade de embargos de declaração, e apenas após a decisão e publicação dos embargos a decisão transita em julgada e é executada.
3) Pode haver pedido de vista de algum ministro, suspendendo o julgamento?
O pedido de vista é sempre possível, e está previsto no Regimento Interno do STF. Mas neste caso, como o processo está digitalizado e foi disponibilizado aos ministros, o pedido de vista se torna menos provável.
4) Algum crime já teria prescrito?
Sim, os crimes com penas de até dois anos já prescreveram, e as prescrições ocorrem em relação a cada crime, não à soma das penas. Dessa forma, caso seja aplicada a pena mínima nos crimes de formação de quadrilha, corrupção (ativa e passiva), peculato e evasão de divisas, já houve prescrição.
5) O que acontece se o ministro Cezar Peluso – que se aposenta no dia 3 de setembro – não puder votar por conta do atraso no cronograma? O STF precisa empossar um substituto?
Não há previsão expressa do que deve ser feito em um caso como esse. A única coisa certa é que isso será objeto de debate e interpretação por parte dos ministros. O regimento e a prática do STF prevêem algumas possibilidades: a) Favorecimento dos réus, como ocorre em casos de habeas corpus, pois no direito penal, em caso de dúvida prevalece o direito do réu ; b) Convocação de um ministro do Superior Tribunal de Justiça (foi feito no caso Collor, mas é improvável neste caso); c) Voto de desempate do presidente da Corte. Vale notar, porém, que no primeiro julgamento da Lei de Ficha Limpa, em 2011, surgiram interpretações diferentes, entre os ministros, sobre como proceder neste caso. O presidente acabou não desempatando, apesar de expressa previsão do Regimento Interno do tribunal para aquela situação.
6) Se um réu quiser, poderá falar durante sua defesa?
Não, pois quem se manifesta durante o julgamento são os advogados, que podem se manifestar durante a sustentação ou a requerimento dos ministros.
7) Como os ministros decidem sobre o tempo de prisão, numa eventual condenação, já que cada um dos 11 pode ter interpretação diferente sobre agravamentos de penas?
É necessário que os ministros decidam qual será a pena definitiva a ser aplicada. Não é possível prever qual será a técnica utilizada para se chegar ao valor ou período total das penas para cada réu, mas, no caso de não haver unanimidade, algumas opções são possíveis: a) Cálculo da média das penas fixadas por todos os ministros que condenaram; b) A pena para cada crime, de cada réu, que obtiver a maior adesão dos ministros é a definitiva; c) Discussões até que se chegue numa pena que todos considerem ideal. De toda sorte, os ministros serão os responsáveis por decidir, além da pena, como ela será calculada.
8 ) Dos 38 réus do processo, o procurador-geral pede punição para 36. Os outros 2 podem ser condenados pelo STF assim mesmo?
Podem, apesar de ser um cenário bastante improvável. Caso os ministros entendam que há relação entre a conduta dos indivíduos que a PGR excluiu nas alegações finais e os crimes cometidos, eles podem ser condenados.
9) Um ministro pode voltar atrás no seu voto? Qual é o prazo?
Até o final do julgamento, normalmente antes da proclamação do resultado, os ministros podem mudar seus votos, a partir das discussões no plenário.
10) O STF vai ouvir testemunhas do caso durante o julgamento?
Não há previsão para ouvir testemunhas em plenário. Em tese, o tribunal poderia determinar a reinquirição de uma testemunha, mas trata-se de hipótese improvável.
11) No caso de haver 4 votos pela absolvição, cabem os chamados ‘embargos infringentes’, para fazer um novo julgamento?
O Regimento Interno do STF dispõe que só caberão embargos infringentes na hipótese de ação penal procedente, ou seja, condenatória. Caso 4 ministros entendam ser caso de absolvição, são, portanto, cabíveis. Os embargos infringentes, no entanto, têm procedimento específico, devendo ser recebidos pelo relator do processo antes de serem distribuídos para o relator sorteado dos embargos. Se os embargos forem recebidos, haverá novo julgamento, mas somente em relação à matéria em que houve divergência. Isto é, quem entrar com  embargos infringentes alegando que a divergência se refere ao cálculo da pena, por exemplo, o Supremo decidirá somente em relação ao cálculo da pena. Nesse caso, não poderá reverter a condenação. Pode no máximo chegar a uma pena já prescrita. Mas, se um dos réus entrar com embargos infringentes contra fatos que embasam a condenação, o que será discutido será a condenação e nesse caso em teoria poderá haver a absolvição do réu que foi condenado.

Defesas complementares

ter, 07/08/12
por Centro de Justiça e Sociedade da FGV-Rio |
Hoje começaram as defesas dos réus no caso do mensalão. Os quatro advogados que iniciaram o processo representavam quatro dos mais célebres réus do processo: José Dirceu, José Genoino, Delúbio Soares e Marcos Valério. Muitos imaginavam que quando começasse essa fase do processo ver-se-ia uma mera repetição de negativas em uníssono.
Tal qual o Corvo do poema de Edgar Allan Poe, os advogados insistiriam exaustivamente em seu mantra até vencer a todos pelo cansaço. Mas não foi exatamente o que esse primeiro dia nos reservou. Cada fala escolheu um caminho.
Jose Luís de Oliveira Lima, advogado de José Dirceu, escolheu atacar um problema processual na estratégia do Ministério Público. Lembrou que o Código de Processo Penal afirma que não são aceitas como justificativa exclusiva da condenação as provas produzidas fora do contraditório judicial, ou seja, antes do recebimento da denúncia, que dá início ao processo. Segundo ele, as provas levantadas pelo Procurador-Geral foram produzidas exclusivamente no inquérito ou na CPI, antes, portanto, de o processo começar. Assim, elas não poderiam, sozinhas, ser usadas para condenar os réus.
Luiz Fernando Pacheco, advogado de Genoino, desenvolveu uma tese baseada na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. O STF afirmou em vários casos que a Constituição Federal não admite a responsabilidade objetiva. Ou seja, uma pessoa não pode ser presumida como responsável por um crime. Cabe ao Ministério Público descrever qual a conduta cometida pelo acusado para que ele seja responsabilizado por um crime. Assim, José Genoino não poderia ser condenado por ser presidente do PT. Ele deveria ter consciência do esquema de corrupção e desvio de dinheiro e ter realizado atos para colaborar com os crimes.
Arnaldo Malheiros, advogado de Delúbio repetiu a tese que de que houve atos ilícitos, mas que esses não seriam os crimes denunciados pelo MP, mas sim caixa 2 para campanhas eleitorais. Como, apesar de proibido, o caixa 2 não é crime, se a tese for acolhida, seu cliente será inocentado.
Por fim, o advogado de Marcos Valério, Marcelo Leonardo, esmiuçou as provas. Contestou cada um dos documentos apresentados pelo Ministério Público, citando perícias e pareceres, argumentando que não houve desvio de dinheiro público. Os serviços publicitários teriam sido prestados, o cumprimento dos contratos estaria de acordo com a CPI, os empréstimos seriam reais.
As abordagens e escolhas de ênfases completamente distintas poderiam ser sinal da falta de coordenação das defesas. Não foi o caso. As estratégias são claramente complementares e tentam golpear a fala do PGR em pontos distintos. O Corvo de Poe não marcou esse primeiro dia.

Caixa 2 é crime, mas para o processo, já não cabe punição

ter, 07/08/12
por Carlos Velloso |
No primeiro dia para a defesa dos réus do mensalão, nesta segunda (6), os advogados de José Dirceu, José Genoino, Delúbio Soares, Marcos Valério e Ramon Hollerbach negaram compra de apoio político. Os defensores de Delúbio e Valério, no entanto, sustentaram que repasses de dinheiro para parlamentares à época eram de “caixa 2″. No texto abaixo, Carlos Velloso explica por quê já não cabe punição no processo.

Nas defesas hoje apresentadas, em favor dos primeiros cinco acusados, alguns advogados admitiram ter ocorrido o “caixa 2″. O dinheiro arrecadado teria servido para pagar, sem que isso fosse declarado à Justiça Eleitoral, despesas de campanha. Isso constitui crime, é certo, mas cuja pena mínima é de um ano.
Assim, se houver condenação por esse delito, a condenação não chegaria a dois anos, dado que os acusados são primários e, ao que parece, não têm antecedentes criminais. Teria ocorrido, então, a prescrição retroativa, que é de quatro anos. Se a pena em concreto não exceder a dois anos, a prescrição é de quatro anos, está na lei penal.
Na tribuna, os advogados fizeram defesas bem elaboradas, bem articuladas, buscaram afastar as acusações formuladas contra os réus. Quase que a uma só voz, os defensores sustentaram a inexistência ou a insuficiência de provas. Instaurou-se, com isso, o contraditório.
Caberá agora aos juízes do Supremo, ao cabo das demais defesas que ainda ocorrerão, garimpar os autos para condenar ou absolver. De um modo ou de outro, a prova e as questões jurídicas serão analisadas, detidamente, cuidadosamente.
Importante salientar que, conforme escreveu recentemente o advogado Paulo Castelo Branco, que é um brilhante criminalista, os acusados estão sendo julgados publicamente, sob os olhos da nação, por um tribunal independente, num processo justo. Tem-se a certeza, então, que o julgamento será técnico, sem influências externas, com vistas a fazer justiça, nada mais.
Como disse, na minha primeira manifestação neste blog, o julgamento demonstra que as instituições nacionais funcionam, exemplarmente.

Não há hierarquia entre tipos de prova

seg, 06/08/12
por Alexandre Camanho |
Ao acusar José Dirceu na última sexta (3), o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, usou o depoimento de testemunhas no processo para tentar provar que o ex-ministro era o mentor do suposto esquema de compra de apoio político. Gurgel disse que não existiam documentos para provar isso, porque, segundo  ele, o autor intelectual de um crime não deixa “rastros facilmente perceptíveis”.
Nesta segunda (6), o advogado de Dirceu, José Luís de Oliveira Lima, também usou o relato de testemunhas na defesa, mas para tentar provar o contrário: que o mensalão não existiu e que Dirceu não tinha comando sobre o PT na época.
No texto abaixo, o presidente da ANPR, Alexandre Camanho, explica a importância das testemunhas num processo criminal.

Provas não disputam por hierarquia: o que importa é que elas tenham sido produzidas de modo juridicamente idôneo e sejam capazes de demonstrar – com segurança – a existência ou inexistência de um fato, a falsidade ou a veracidade de uma afirmação e, dessa forma, formar a convicção do julgador.
Podem ser utilizadas como provas todas aquelas admitidas pela lei. O Código de Processo Penal arrola diretamente o interrogatório, a perícia, a confissão, a declaração do ofendido, a prova testemunhal, o reconhecimento de pessoas e coisas e a acareação. É possível, ainda, a utilização de outras provas, como filmagens e fotografias, entre outros. São as chamadas provas inominadas.
Dessa forma, inexiste hierarquia: uma prova testemunhal não vale menos que uma prova documental, por exemplo. O juiz deverá analisar, isto sim, qual é a prova mais firme à demonstração de um determinado fato. Nem se pode dizer que uma prova testemunhal anula outra. Não é o fato de a acusação ter apresentado 3 testemunhas e a defesa ter apresentado 8 testemunhas, que o juiz decidirá pela ausência de provas aptas à condenação. Não está em jogo a superioridade numérica de testemunhas de defesa ou de acusação – não se trata, definitivamente, de um embate contábil. Uma testemunha favorável à tese de defesa não anula o depoimento de uma que corrobore a acusação. Não se trata de um jogo em que se somam os “scores”: o que importa realmente é a segurança do depoente, o conteúdo de cada depoimento, e decisivamente a harmonia e a coerência do acervo probatório.
Existem, com efeito, vários tipos de testemunhas (testemunha direta, indireta, referida, informante, entre outros). Sem dúvida, a mais importante é a testemunha direta, aquela que presenciou os fatos. Mas, num determinado caso, também pode ser revelante o depoimento de testemunha indireta – aquela que tomou conhecimento do fato por terceiros – ou referida – aquela mencionada por outras testemunhas. Por outro lado, testemunhas que são chamadas apenas para abonar a conduta, familiar ou pessoal, dos acusados, mas que pouco ou nada sabem sobre os fatos narrados na denúncia, pouco servirão para formar a convicção do juiz. E estas são os tipos de testemunhas geralmente arroladas pelos réus – atestam aquela idoneidade de conduta que não afasta a verdade, juridicamente sustentada em provas idôneas, de que o crime tenha sido cometido.

Prisão imediata após condenação é improvável no STF

sáb, 04/08/12
por Carlos Velloso |
Após quase cinco horas de acusação, além da condenação, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, pediu a prisão imediata, ao final do julgamento, de 36 dos 38 réus do mensalão. No comentário abaixo, Carlos Velloso explica o significado do pedido, mas por que a prisão é incomum e improvável no Supremo Tribunal Federal. Em geral, a prisão pode levar meses após a condenação.
“É incomum e improvável uma prisão imediatamente após a condenação no Supremo Tribunal. Quando há uma condenação, a prisão pode levar meses, porque só ocorre após o trânsito em julgado da sentença, ou seja, quando não há mais como reverter a decisão.
Apesar de não ser possível apresentar um recurso no Supremo para que a questão seja reavaliada numa outra instância superior, são cabíveis os embargos de declaração, que são questionamentos sobre o próprio julgamento do STF.
Os embargos só podem ser apresentados pela defesa no prazo de cinco dias após a publicação do acórdão do julgamento. Vai depender muito do presidente, mas essa publicação pode durar meses, porque todos os votos têm que ser coletados e postos em ordem por escrito.
Até lá, os condenados ficam livres. Por sua vez, o julgamento dos embargos de declaração não ocorrem imediatamente, têm que ser colocados em pauta. Só após a publicação de um novo acórdão, com a decisão sobre os embargos, temos o trânsito em julgado, que possibilita a prisão. Pode durar meses.
Esse procedimento foi firmado em 2006 a partir de uma jurisprudência do próprio Supremo.
Na acusação do mensalão, o procurador não disse, mas em tese, ele teria que apresentar os argumentos para pedir a prisão imediata. Poderia, por exemplo, dizer que haveria o risco de o condenado fugir para o estrangeiro. Mas não usou esse argumento.
Ele pode ter pedido a prisão entendendo que os delitos praticados foram muito graves, merecendo um tratamento mais rigoroso por parte da Corte. É o Ministério Público aguerrido. Mas é um argumento precoce porque o tribunal terá ainda que ouvir a defesa. O contraditório tem que se estabelecer.”

Atrasar nem sempre é bom para a defesa

sex, 03/08/12
por Centro de Justiça e Sociedade da FGV-Rio |
Tudo indica que ao contrário do que muitos acreditavam, atrasar nem sempre é bom para a defesa. É o que está ocorrendo nestes dois primeiros dias do julgamento.
Se não houvesse o longo voto do Ministro Lewandowski, ontem teria sido o dia de Roberto Gurgel fazer suas alegações finais. E, hoje, sexta-feira,  seria o da defesa.
Atrasou tudo. O resultado líquido, no entanto, é que neste fim de semana o Brasil todo discutirá apenas Gurgel e os fatos que ele trouxe.
Serão quase três dias de sua pausada voz que repercutirá e se repetirá na televisão, nos jornais, nos blogs e nas mídias sociais. Sexta, sábado e domingo. Algo fica bastante claro: o tempo processual para advogados, procuradores e ministros atuarem e formarem seus juízos não é o mesmo do tempo para que a opinião pública forme sua convicção.
E neste julgamento ambos são importantes: o julgamento judicial e o julgamento político.

Acusador fala da ‘alma’

sex, 03/08/12
por Alexandre Camanho |
Os processos julgados pelo Supremo observam as regras estabelecidas pela lei 8.038/90. Segundo a lei, finda a instrução (apresentação de provas por ambas as partes – acusação e defesa) e apresentadas as alegações finais por escrito, começa o julgamento do caso.  Como se viu ontem, primeiro são apreciadas as questões de ordem – como a do desmembramento, apresentada pelo advogado Márcio Thomaz Bastos – e as eventuais preliminares ou nulidades que possam impedir o julgamento da causa.
Uma vez superadas essas questões, iniciam-se o julgamento e os debates orais. Acusação – nesse caso o procurador-geral da República – e defesa sustentam, oralmente, suas razões perante a Suprema Corte. O procurador-geral da República, o primeiro a falar, deve, nesse momento, sintetizar os fatos e realçar as provas cuja produção ordenou ao longo da instrução e que comprovam a prática criminosa pelos réus.
A sustentação oral precisa ser convincente, de modo que persuada a Corte a condenar os criminosos porque ali se obviou a verdade, lastreada em provas idôneas. Como diz o personagem de “O Estrangeiro”, de Albert Camus (afinal sentenciado à morte), “o promotor começou a falar da minha alma”. Em seguida, os advogados fazem a defesa dos acusados.

Uma disputa de inteligências

sex, 03/08/12
por Carlos Velloso |
categoria Todas
Nesta sexta-feira (3), na segunda sessão do julgamento do mensalão, o Procurador-Geral da República (PGR) , Roberto Gurgel, vai defender a denúncia do Ministério do Público. Em entrevista (veja trechos abaixo), o ex-ministro do STF, Carlos Velloso, explica o mecanismo dessa etapa do julgamento.
“Nesta etapa, o Procurador-Geral sustenta a denúncia contra os acusados. Na exposição que vai fazer ao ministros, ele vai explorar as provas, bem como as questões jurídicas que fundamentam seus argumentos. Vai explorar tudo aquilo que colabore e sirva de apoio para as acusações formuladas.
Ele também indica a condenação que acha que deve ser aplicada, apontando inclusive os agravantes que possam exacerbar as penas.
Neste julgamento, pela quantidade incomum de réus, a fala do PGR será de uma natureza diferente, pois vai durar cinco horas. Em minha carreira, nunca vi exposição tão demorada.
Ao longo da sustentação da denúncia, o Procurador-Geral não pode ser interrompido. Cada advogado de defesa anotará o que não considerar pertinente e só depois poderá se manifestar.
Em síntese, a exposição do Procurador-Geral  deve conter e explorar toda a acusação do Ministério Público  . Vai sustentar a procedência da denúncia do MP. Além disso, a sustentação do PGR baliza a discussão do julgamento.
Uma boa sustentação é um exercício de criatividade, de dons oratórios, elementos que fazem a diferença e são característicos da prática forense. Afinal,  trata-se de um trabalho de convencimento.
O PGR vai tentar convencer que as acusações são procedentes. Da mesma forma, os defensores tentarão o contrário. É uma disputa de inteligências. Vale a pena assistir.”

Entendendo as discussões

qui, 02/08/12
por Centro de Justiça e Sociedade da FGV-Rio |
categoria Todas
Por Fernando Leal
A defesa solicita o desmembramento do processo na sua “questão de ordem”, buscando o reconhecimento da incompetência do STF para julgar aqueles réus que não são deputados federais. O que se pretende? Dividir o processo em diferentes partes e remetê-lo para diferentes órgãos julgadores.
Três argumentos são levantados para fundamentar o pedido. O primeiro se refere a uma suposta mudança de perspectiva no tratamento da questão. É fato que o tribunal já havia se manifestado sobre o pedido da defesa. Mas se alega agora que antes o enfoque não fora constitucional. E que, por isso, o tema poderia ser novamente discutido. Falou-se tecnicamente em inexistência de “preclusão”, ou seja, de que não houve a perda da oportunidade para se manifestar no processo sobre o assunto. Tema novo, questão reaberta.
O segundo argumento, relacionado ao primeiro, reforça a violação de direitos processuais. Falou-se em “devido processo legal”, “juiz natural” e “duplo grau de jurisdição”. O que eles protegem? O primeiro, grosso modo,expressa a garantia ampla de julgamento justo. Os demais seriam exigências do primeiro.
O juiz natural garante ao cidadão o direito de ser julgado por juiz competente nos termos fixados pela constituição e pelas leis. Para a defesa, o juízo natural para julgar os réus que não têm foro privilegiado não seria o Supremo. À corte caberia apenas o julgamento dos deputados que ainda exercem os seus mandatos. Não desmembrar seria ampliar contrariamente à vontade da Constituição as atribuições do Supremo. O duplo grau de jurisdição, finalmente, garantiria, como regra, que cada cidadão tivesse direito a ter a sua causa reexaminada por um órgão julgador diferente. Tal garantia, alega a defesa, seria violada se alguns réus – aqueles que não possuem foro privilegiado – fossem julgados diretamente no Supremo.
O terceiro argumento afirma que o desmembramento não prejudicaria o julgamento. Além das violações a direitos indicadas, diz a defesa que, do ponto de vista prático, nada afetaria o julgamento dos réus. Mesmo com a divisão do processo, crimes não prescreveriam. A ação já está pronta para ser julgada. Ela só deveria ser apreciada por outros julgadores.
E o Supremo? Após a manifestação da maioria dos ministros da corte, apenas o revisor, Ministro Lewandowski, e também o Ministro Marco Aurélio, foram sensibilizados. O argumento de que o tema e os motivos apresentados já foram ou já deveriam ter sido tratados no momento oportuno falou, no fundo, mais alto. O processo, como se repetiu algumas vezes, precisa seguir a sua marcha. E a seguirá no Supremo.

Quando o Supremo é o ‘juiz natural’

qui, 02/08/12
por Alexandre Camanho |
Na discussão entre os ministros para dividir ou não o processo do mensalão – uma parte para os deputados federais, que seriam julgados no Supremo Tribunal Federal; e outra para os demais réus na primeira instância– dois princípios foram levantados pelos advogados a favor do desmembramento. Num breve texto, o presidente da ANPR, Alexandre Camanho, discute o significado dos dois termos numa ação que envolve parlamentares e cidadãos comuns. No julgamento, por 9 votos a 2, os ministros rejeitaram a separação.
“Juiz Natural” é o princípio constitucional (art. 5º, LIII da Constituição Federal) que determina que ninguém pode ser processado ou sentenciado senão pela autoridade competente. Aqui, sem dúvida, juiz natural é o Supremo, dada a prerrogativa de foro de alguns réus. A natureza dos crimes – como a quadrilha – impõe que haja, por questão de coerência lógica e Justiça, um julgamento único do fato. Ora, se pessoas comuns cometem crimes com autoridades com foro privilegiado – e tais autoridades, quando do cometimento do crime, revelam-se úteis e mesmo fundamentais para o êxito da quadrilha -, é justo que tais pessoas vejam-se julgar no mesmo foro especial que seus comparsas. Quem desejar cometer crimes e quiser ser julgado por um juiz de Direito, que cometa os crimes sem a co-autoria de autoridades públicas com foro privilegiado.
“Duplo grau de jurisdição”, por sua vez, é o direito de ter uma decisão adversa revista por outra instância que não a original. É claro que esta regra excetua-se quando o criminoso tem foro originário no Supremo: a própria Constituição, nesse caso, expressamente estabelece este foro único para pessoas “especiais”. Na realidade, cuida-se de um foro excepcional, na medida em que existe para não ser acionado: presume-se que as autoridades públicas, cientes de suas responsabilidades republicanas, não cometam crimes! Quando se aciona este foro excepcional, é porque alguma autoridade pública pode ter traído o compromisso com a República e a Constituição, “merecendo” uma instância “especial” para isto.

Sobre a possibilidade de desmembramento do julgamento

qui, 02/08/12
por Carlos Velloso |
Em sua questão de ordem, o advogado Márcio Thomaz Bastos questionou a competência do Supremo Tribunal Federal para julgar todos os réus do mensalão, incluindo aqueles que não têm o chamado foro privilegiado. Ele chamou a atenção para dois princípios: o do “duplo grau de jurisdição” e o do “juiz natural”, além de um tratado internacional, o Pacto de San José da Costa Rica, ratificado em 1992 pelo Brasil. Em breve entrevista, cujos principais trechos estão reproduzidos abaixo, Carlos Velloso explica o que significam esses termos no direito.
“O duplo grau de jurisdição é a possibilidade de recurso, que é um direito constitucional da parte. O devido processo legal compreende os recursos inerentes ao contraditório, à ampla defesa. Todavia, não é um direito absoluto, será possível na forma da lei processual. No caso do mensalão, os outros réus que não têm foro privilegiado foram atraídos pelos que têm. Significa que nenhum dos dois terá direito a recursos. Mesmo assim, existem os embargos de declaração, que são sempre cabíveis no Supremo. Eles podem até reverter a decisão, se o tribunal, num julgamento, omite um dado importante. Uma condenação pode ser revertida, uma absolvição também, desde que demonstrada uma omissão ou uma contradição.”
“O juiz natural é o juiz competente para a causa. De regra, o juiz natural para causas criminais é o juiz de primeiro grau. Isso é a regra. Agora, esta regra pode ser excepcionada, e ela foi pela Constituição, que criou esse foro privilegiado para os parlamentares. Esse processo está no Supremo porque tem parlamentar como réu. Para eles [os parlamentares], o Supremo é o juiz natural nas ações penais. O que se está discutindo é se as condutas daqueles que não têm foro privilegiado estão tão entrelaçadas com a conduta do que têm, que atrai a competência. Digamos que o parlamentar é acusado de ter recebido dinheiro. O outro é acusado de ter dado o dinheiro. Um é o corrompido, outro o corruptor. Mas digamos que separássemos essas duas condutas. Uma conduta é julgada pelo Supremo, que condena [o deputado[. Se o juiz [de primeira instância] absolve o outro pelo mesmo fato, não tem sentido. Isso é o que justifica a atração para o foro privilegiado do julgamento de uma conduta de quem não tem foro privilegiado.”
“O Pacto de San José da Costa Rica é um tratado internacional, que cuida dos direitos humanos e diz que o sujeito tem que ser julgado pelo juiz natural, o juiz competente, e não, por exemplo, um juiz de exceção. O juiz de exceção é criado para um tipo de caso, para, por exemplo, julgar delitos políticos, quando ele deveria ser julgado pelo juiz de 1º grau ou pelo juiz que a Constituição estabeleceu a competência. Um pacto, porém, jamais tem primazia sobre a Constituição. Se ele for aprovado por uma maioria qualificada no Congresso, por 3/5 dos parlamentares em dois turnos, ele terá a mesma hierarquia da norma constitucional.”

Discussão no STF vai além de condenação ou absolvição

qui, 02/08/12
por Centro de Justiça e Sociedade da FGV-Rio |
categoria Todas
O julgamento mostra desde o início que vai lidar com questões jurídicas complexas.
Quem esperava ver o Supremo decidir apenas entre absolvição e condenação, se depara com uma variedade enorme de discussões que vão preceder a decisão final de maneira a produzir um resultado que harmonize o anseio pela moralidade pública e o respeito a todos os princípios constitucionais.
Sobre o desmembramento do processo, que domina o debate inicial da sessão, o Supremo, em ocasiões semelhantes, já decidiu tanto manter os réus na mesma instância ou separá-los.
É fundamental que a decisão que o Supremo tome nesta quinta-feira não seja fruto de casuísmo, mas que o tribunal consiga comprovar para a sociedade o acerto de sua decisão.

Supremo vai fazer História

qui, 02/08/12
por Alexandre Camanho |
Com esta frase memorável – e injustamente relegada ao desconhecimento quase unânime -, Laurence Tribe encerra um livro seu:
“Se nós confrontarmos quão profundamente cada escolha de um novo ministro da Suprema Corte pode mudar nossas vidas, então nós encontraremos, todos nós, meios para nos educarmos, e nos fazermos ouvir, a cada vez que esta fatídica escolha é feita”. O título da obra – “Deus Salve esta Honorável Corte – Como a Escolha dos Ministros da Suprema Corte Molda Nossa História” – tem inteira pertinência com nosso momento atual e com o quanto o futuro do país é cativo do julgamento que hoje tem início no Supremo; porque, se entregamos a estes Juízes nossos cotidianos e nossa cidadania em caráter irrevogável, é justo pretendermos que cada escolha de seus nomes seja norteada pelo que de melhor houver em termos de probidade, envergadura intelectual, humanismo e espírito republicano – com o quê poderemos esperar, sem variação ou temor, o mais acertado a cada decisão em que nossa História é moldada.
O mensalão porá isso em xeque. Se não há dúvida alguma acerca do primado da técnica que secundará o julgamento, por outro lado mostrará quão em sintonia nossa Suprema Corte está com o sentimento cívico, com o nojo pela política que despreza a verdadeira Democracia, com a fadiga insuperável em relação à esperteza e à impunidade, com o anseio por que as instituições públicas tornem a traduzir o perdido orgulho patriótico.
Quando instada a julgar o esquema PC, nos anos 90, a Corte obviou a inadequação do sistema judicial e acusatório da época frente à podridão política, com seus propinodutos e cinismos. Agora, porém, o país é outro: a Democracia e o Estado de Direito prosperaram, já se percebeu majoritariamente que o frenesi de franquias pró-pilantra não amadureceu o país (só o empobreceu), o povo está farto de abutres em cargos públicos. Eis um daqueles momentos, portanto, em que uma nação confronta-se com seu Destino: é hora de saber se nossas instituições jurídicas finalmente estão maduras para arrostar o que a política segue tendo de sombrio e daninho. Daí advirá a coletiva sensação de redenção ou de réquiem.
Chamada a fazer Justiça, esta composição atual do Supremo estará, pouco importa se o saiba ou queira, fazendo História – a História que oscila entre orgulhos e vergonhas, mas que molda, em momentos cruciais, uma nação.

Mensalão: os dois julgamentos

qui, 02/08/12
por Centro de Justiça e Sociedade da FGV-Rio |
Na véspera do maior julgamento da história do Supremo, uma questão gera debate na opinião pública. A decisão será técnica ou política? A resposta depende de outra pergunta: é essa a pergunta a ser feita? A decisão do Supremo será única. Nela, técnica e política não necessariamente se separam. O julgamento, porém, será duplo. Jurídico e político. E cada um deles envolve aspectos distintos para o futuro nacional.
No julgamento jurídico o grande teste para o STF será produzir, a partir dos seus ministros, decisões fundamentadas e coerentes que expliquem à opinião pública os caminhos escolhidos. Será um teste complexo porque não há precedentes de um julgamento que tenha gerado tantas discussões sobre aspectos técnicos.
Nas últimas semanas foi comum ver debates em veículos midiáticos, com ampla participação de seus leitores e telespectadores, envolvendo temas como desmembramento de processos, recursos protelatórios, imparcialidade de magistrados e tipos penais. Temas que antes eram restritos a círculos de especialistas passaram a ser debatidos em um auditório mais amplo.
O desenvolvimento de uma esfera pública crítica, que avalia a atuação das instituições políticas e jurídicas e que participa das discussões antes fechadas a especialistas, é sinal de amadurecimento de nossa democracia. Ao Supremo, caberá não frustrar as expectativas da audiência interessada. Precisará explicar tecnicamente cada decisão, para que a população a compreenda. Deverá, portanto, dar uma aula sobre Estado de direito.
O julgamento paralelo, de natureza política, também é evidente. Ele começou bem antes, quando alguns réus perderam seus mandatos. Os crimes denunciados se relacionam, a partir de vários atores, diretamente com a política partidária e com os poderes executivo e legislativo. Difícil sustentar que se trata de mais um caso qualquer. As decisões do Supremo poderão, inclusive, impactar as eleições municipais neste ano e até as eleições de 2014. Só o tempo dirá.
Em cenário esperançoso, a mobilização gerada em torno do caso poderá até mesmo impulsionar a discussão de uma agenda mais ampla de reformas políticas. Na base dos ilícitos apontados pelo Ministério Público estão dois temas importantes aos cientistas políticos: o nosso sistema eleitoral e partidário e o nosso modelo de presidencialismo.
Como organizar um sistema eleitoral que não seja refém do dinheiro – muito menos o corrupto? Quais são os limites éticos do chamado presidencialismo de coalizão? Essas não serão questões decididas nesse processo, mas são levantadas por ele. Devem ser debatidas por todos.

0 comentários:

Postar um comentário

Parceiros

Share

Twitter Delicious Facebook Digg Stumbleupon Favorites More